As consequências sociais da austeridade. Algumas dúvidas.
Posted December 29th, 2013 at 10:30 pm5 Comments
Há dias recolhia alguns dados “macro” para cruzar com dados “micro” de inquéritos, nomeadamente num projecto sobre os determinantes das atitudes dos Europeus sobre a democracia, medidas na vaga 6 do European Social Survey. A ideia, muito simples, seria a de que em países em que as condições de vida fossem piores e mais desiguais (mais pobreza, maior desigualdade de rendimento, etc), as visões da democracia tenderiam, controlando outras coisas, a ser menos “procedimentais” (direitos, eleições) e mais substantivas (rendimento, crescimento, desempenho económico, etc). Depois darei notícias do que isto dá.
Mas entretanto, fiquei intrigado com os dados em si. Não percebo muito destes temas, mas os dados não reflectem bem o que esperava encontrar, e pode haver alguém que leia isto e possa explicar. Os países incluídos são Portugal, Espanha, Grécia, Itália, Chipre, e Irlanda (até 2011), tudo países em ajustamento orçamental, nalguns casos extremamente elevado, nomeadamente entre 2011 e 2013. Junto também a média dos 27 países da UE. O gráfico 1 compara países e anos em termos da percentagem da população que está em risco de pobreza ou exclusão social, ou seja, que:
1. Vivem com um rendimento (depois de transferências sociais) inferior a 60% da mediana.
OU
2. Vivem numa situação de grave privação material (não conseguem pagar pelo menos 4 de 9 itens essenciais de consumo).
OU
3. Vivem num lar com muito baixa intensidade de trabalho.
Eis os resultados:
Em todos estes países, a percentagem de pessoas nestas condições começa a aumentar em 2009 (Irlanda), 2010 (Espanha, Chipre) ou 2011 (Grécia, Itália), não voltando a descer até ao ano mais recente (2012). Ou melhor: todos, não. Em Portugal não foi assim. Desde 2006, a evolução não tem tendência clara, e o valor de 2012 (cerca de 25%) é próximo do que se verificava em 2006 e está pouco acima da média dos 27 países da UE.
A figura 2 concentra-se num dos indicadores usados para estimar a percentagem de pessoas em risco de pobreza ou exclusão social, o da “severa privação material“.
A história aqui é mais ou menos a mesma. Espanha distingue-se aqui por ter valores inferiores aos dos restantes países, mas mesmo assim passou de 4.1% em 2006 para 5.8% em 2012. Já Portugal chega a 2012 com uma percentagem inferior à de 2006, de 9.1% para 8.6% (ou seja, com o erro associado, não há certamente diferença significativa de 2006 para 2012).
Finalmente, desigualdade. A figura 3 mede o rácio entre entre os rendimentos obtidos pelos 20% de população mais rica e os 20% de população mais pobre.
Portugal parte de uma situação tremenda, o mais desigual destes seis (e na verdade o mais desigual dos EU27 a seguir à Letónia). Contudo, Portugal chega a 2012 claramente menos desigual que Espanha e Grécia, e menos longe da Itália, de Chipre ou da Irlanda do que estava no início do período. Muito disso deve-se à diminuição das desigualdades de rendimento até 2010. Mas o novo aumento em 2011 e 2012, sendo real, foi menos acentuado do que em Espanha ou na Grécia.
Eu gostava muito de perceber o que estará por detrás disto. O que explica que Portugal tenha, pelo menos à luz estes indicadores, escapado ao mesmo grau de aumento da pobreza e da privação material que se verificou nos restantes países, ou que as consequências em termos de desigualdade de rendimentos tenham sido mais graves em Espanha, Grécia ou até Itália? Uma resposta óbvia seria que o esforço de consolidação orçamental em Portugal teria sido menor do que nos restantes países. Na comparação com a Grécia isso é uma resposta plausível, tendo em conta que, em média anual, entre 2011 e 2013, o “discretionary fiscal effort” grego foi de 6.1% do PIB, contra 3.3% em Portugal. Mas em Espanha foi de 3.6%, na Irlanda de 2.7% e em Itália de 1.9% (ver aqui, Tabela III.2.1).
Serão estes indicadores insuficientes ou demasiado imperfeitos? Será 2013, sobre o qual não ainda temos dados, o ano em que veremos os efeitos sociais mais graves da austeridade em Portugal? Será a emigração que está a mitigar isto na comparação com outros países? Estarei a ver algo mal? E se não estou a ver mal, qual será a explicação?
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