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Pedro Magalhães

Numeracia, precisa-se

As primeiras páginas do Público e do Diário de Notícias de hoje, assim como os noticiários da TSF sobre as sondagens presidenciais, constituem magníficos exemplos da forma como os resultados de sondagens NÃO devem ser divulgados, e terão lançado, de forma totalmente evitável, uma enorme confusão entre a opinião pública.

O Público coloca na primeira página o título Cavaco aumenta vantagem para vitória à primeira. Já o DN coloca na primeira página o título Cavaco Silva mais longe da vitória à primeira volta. Confusos? Não precisam de estar. Vamos por partes.

O Público devia, desde logo, ter evitado falar de “aumento de vantagem”. Por alguma razão, na documentação que recebeu do Centro de Sondagens da Católica, os resultados da sondagem hoje divulgada não foram comparados com os resultados da sondagem de Setembro. Porquê? Porque nessa sondagem, Alegre nem sequer era ainda candidato, e Cavaco ainda não tinha oficializado a sua candidatura. Os resultados da sondagem de hoje e da sondagem de Setembro não são directamente comparáveis. Falar de “aumento de vantagem” em relação a uma sondagem em que o menu de candidatos nem sequer era o mesmo é, no mínimo, insensato.

Contudo, o que se passou no DN e na TSF hoje foi bastante mais grave. Fala-se na notícia do facto de Cavaco Silva ter perdido terreno (de 48,8% para 44%), o que já me parece correcto, dado que se toma como referência uma sondagem da Marktest do mês passado onde todas as candidaturas já eram contempladas. Contudo, toda a cobertura da sondagem por parte do DN e da TSF se orienta para a ideia de que, com este resultado, Cavaco Silva ficou mais longe de ultrapassar a barreira de 50% que lhe daria a vitória à primeira volta. Mais: à hora que escrevo isto, decorre um “Fórum TSF” cujo tema, cito de cor, é o seguinte disparate:

“Será que o vencedor das presidenciais é uma incógnita, como sugere a sondagem DN/TSF/Marktest de hoje, ou que a vitória de Cavaco Silva é uma certeza, como sugere outra sondagem divulgada hoje”

Já nem falo do absurdo que constitui dizer-se que uma qualquer sondagem, sejam quais forem os seus resultados, dá certezas seja do que for sobre eleições que vão ter lugar daqui a dois meses. Mas o pior é isto: estão a comparar-se coisas totalmente incomparáveis. Os resultados divulgados na primeira página do Público apresentam os resultados da sondagem como se fossem resultados de eleições, excluindo indecisos, abstencionistas e votos brancos e nulos, única maneira de se dizer se as intenções válidas de voto em Cavaco Silva estarão, neste momento, acima dos 50%. Mas os resultados da sondagem divulgada no DN e na TSF estão a ser tratados como se pudessem ser comparados como resultados de eleições e com os resultados da Católica, quando não podem, porque são calculados em relação a uma base que inclui abstencionistas, votos em branco e respostas “não sabe/não responde”.

E o mais irónico de tudo é isto:

Quando se tornam as sondagens comparáveis – seja porque na sondagem Marktest redistribuímos proporcionalmente as opções “não válidas” de voto pelas opções válidas/ equivalentes a resultados eleitorais, seja porque na sondagem da Católica se adopta o procedimento habitual para esse fim (redistribuir indecisos na base de uma squeeze question sobre inclinação de voto e redistribuir proporcionalmente as restantes opções não válidas pelas válidas) – os resultados são muito semelhantes: 56/57 para Cavaco, 19/17 para Alegre e 5/6 para Jerónimo de Sousa. As diferenças só são maiores nos casos de Soares (13/16) e Louçã (6/4), confirmando aliás um padrão anterior de maior instabilidade nas estimativas para estes candidatos nas sondagens feitas até ao momento.

Será isto tão difícil de entender? Será assim tão difícil às direcções editorais imporem requisitos mínimos de numeracia a quem trata estas notícias? Será assim tão difícil evitar lançar a opinião pública na confusão total quanto aos resultados das sondagens? Há dias em que, confesso, me apetece mudar de ramo…

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