
O 25 de Abril e a memória do Estado Novo (I)
Posted April 7th, 2014 at 12:04 pm1 Comment
O ICS coordenou um estudo, em parceria com o Expresso, sobre as percepções e opiniões sobre o 25 de Abril e a mudança de regime. O Expresso já divulgou uma parte dos resultados, no próximo Sábado divulgará o resto, e 2ª feira, dia 14, haverá uma conferência na Fundação Calouste Gulbenkian onde a minha colega Marina Costa Lobo analisará os resultados, com comentários meus e de António Costa Pinto.
Não me quero adiantar muito, não só porque há um calendário previsto para a divulgação dos resultados mas também porque este é um caso em que a visão do seu conjunto é particularmente importante. Mas gostava de colocar os resultados já divulgados pelo Expresso em contexto. São os seguintes:
Há resultados de um estudo anterior, com as mesmas perguntas, realizado em 2004, e a infografia faz a comparação. Mas igualmente interessante é comparar com um estudo de 2000 realizado em Espanha, com questões bastante semelhantes. Esse inquérito deu origem a um livro de Felix Moral. Não sei se o CIS voltou a fazer este inquérito em parte ou no todo, mas a comparação com 2000 em Espanha pode ser útil.
O que vemos desde logo é que o título do Expresso (“Uma rejeição absoluta e unânime do Estado Novo”) é enganador. Não há nada que se pareça com “unanimidade” sobre o regime anterior. O que há é:
1. Mais pessoas do que em Espanha (seja em 2004 seja em 2014, em comparação com 2000 em Espanha) a verem o regime anterior como tendencialmente nefasto. Uma maioria (mesmo que relativa) dos cidadãos portugueses partilha essa opinião, o que não se podia dizer sobre Espanha (pelo menos em 2000).
2. Mas por outro lado, há mais pessoas do que em Espanha (seja em 2004 seja em 2014, em comparação com 2000 em Espanha) a verem o regime anterior como tendencialmente positivo. Mesmo sendo baixos esses valores (17% e 19%), penso ser claro que, em comparação, a visão sobre o legado do anterior regime é assim algo mais polarizada (mais negativos e mais positivos, menos visões “intermédias”) em Portugal do que em Espanha.
3. Outro fenómeno muito interessante, e que já era bem visível em 2004, é que esta visão do regime anterior está correlacionada com a simpatia partidária. Eu teria MUITO cuidado em tirar grandes conclusões de diferenças de percentagens entre grupos de simpatia partidária, porque o erro amostral associado a esses valores e comparações é muito superior ao da amostra global, dado que estamos a lidar com sub-amostras e que tanta gente em Portugal não tem simpatias partidárias de espécie alguma. Mas penso que pelo menos uma coisa é clara: os simpatizantes do CDS-PP distinguem-se claramente dos restantes a este nível: menos atitudes negativas em relação ao anterior regime e mais ambivalência. Isto é especialmente interessante porque, como quem lida com este tipo de dados há muito tempo sabe bem, não é fácil encontrar atitudes políticas concretas que se correlacionem claramente com identidades partidárias em Portugal. Mas este é um caso em que essa correlação existe, se bem que não tão alinhada com uma mera distinção esquerda-direita entre blocos partidários como se poderia pensar: dos simpatizantes do BE aos do PSD, os valores são relativamente semelhantes, com diferenças mais de grau que de espécie, por assim dizer, especialmente se considerarmos erro amostral; já os do CDS-PP estão claramente noutro plano.
4. De notar que, apesar de 47% dos inquiridos acharem que o regime anterior teve tantas (ou até mais) coisas positivas como negativas, são bastante menos aqueles que acham ter sido melhor que os responsáveis políticos desse regime tenham escapado julgamento (22%) ou que entendem que terá sido foi feita justiça aos responsáveis da PIDE/DGS (24%). Por outras palavras, uma coisa é avaliar retrospectivamente e globalmente o regime, outra coisa bem diferente é isentar os seus responsáveis pela repressão política que o caracterizou.
5. São poucos os que acreditam que poderia ter havido uma transição “negociada”, apenas 9%. Cá para mim, a maioria dos portugueses tem a sua História bem certinha, mas isso é só a minha opinião.
6. Finalmente, o 25 de Abril como fenómeno histórico. Iremos conhecer muitos mais resultados sobre visões dos cidadãos sobre o 25 de Abril, mas é curioso que, numa pergunta logo a abrir o inquérito (sem que as respostas sejam influenciadas pelo conjunto de questões seguintes, muito direccionadas), seja tão prevalecente a importância histórica do 25 de Abril para as pessoas, na comparação com outros factos de tão grande importância.
O inquérito tem muitas mais perguntas cujos resultados serão conhecidos a seu tempo: sobre o 25 de Abril propriamente dito, sobre a evolução da sociedade portuguesa, sobre as figuras da transição, etc. À medida que forem divulgados irei comentando aqui.
[…] ver algumas pessoas surpreendidas ou até desapontadas com o facto de quase metade dos inquiridos neste estudo do ICS acharem que o regime anterior teve pelo menos tantos…. Algumas últimas notas sobre este […]