Ohio e os comícios
Posted October 9th, 2008 at 3:32 pm2 Comments
McCain, Palin and Obama andam pelo Ohio por estes dias. Numa semana, as duas campanhas gastaram 4 milhões de dólares em publicidade só neste estado. Os dados sugerem que Obama tem, nesta fase, mais dinheiro para gastar que McCain, e que está a geri-lo de forma diferente. Os Democratas estão a gastar em estados antes vistos como improváveis mas onde as mudanças das últimas semanas sugerem a possibilidade de vitória. No Indiana, o rácio a favor de Obama em despesas de campanha é de 20 para 1.
Obama vem a Columbus amanhã. Pelas mailing lists da Universidade, circulam mensagens pedindo voluntários entre as 10 e as 16h de amanhã para gerir o comício. É assim que a coisa funciona. O dinheiro vai quase todo para os anúncios televisivos. Contudo, há cada vez menos pessoas que os vêem. Cada vez mais pessoas têm sistemas tipo TiVo, através dos quais gravam os programas que querem ver e saltam a publicidade. Anteontem, foi assim que assisti ao debate: com um atraso de alguns minutos em relação à emissão ao vivo, fazendo “pausa” para discutirmos pormenores, retomando depois o visionamento da gravação.
Os comícios de McCain e Palin estão tornar-se um bocado edgy. Antes de um ou outro chegarem, há discursos de figuras locais para aquecer a multidão, onde Obama é chamado “Barack Hussein Obama”. Quando se lhes pede comentários, McCain e Palin dizem que não têm nada a ver com o assunto. Os discursos deles têm sido pontuados por gritos dos assistentes quando o nome de Obama é mencionado: “terrorist”, “traitor” e coisas assim. Há dias, parece que alguém gritou “kill him”, e um técnico de som da CNN, negro, foi insultado.
Excelente blog, os meus sinceros parabéns. De muito longe o melhor blog sobre sondagens do nosso país- sério, rigoroso e factual.
Sobre Palin e a extrema-direita que ela representa, lembrei-me de repente de um texto do Prof. Freitas do Amaral( incluido no livro “Do 11 de Setembro à Guerra do Iraque”), intitulado “a Extrema-direita no governo dos Estados Unidos”. A propósito desse texto o Prof. Freitas do Amaral sustentou o seguinte:
“De todas as afirmações por mim feitas sobre a crise mundial em que vivemos depois do 11 de Setembro, aquela que provocou mais ondas de choque, chegando a mere-cer a crítica de alguns amigos mais próximos, foi a que fiz no artigo «A extrema-direita no governo dos EUA», de 12 de Setembro de 2002.
Não fiz essa afirmação de ânimo leve, mas muito de caso pensado: é que, quando vivi durante um ano em Nova Iorque, como Presidente da Assembleia Geral da ONU, apercebi-me (sem margem para dúvidas) de que havia uma extrema-direita legal na América, a qual correspondia, essencialmente, à ala mais radical do Partido Republicano. Agora, essa facção ganhou a Presidência dos EUA, no ano 2000, e domina maioritariamente o governo americano: são seus principais representantes, além do próprio Bush-filho, o Vice-Presidente Dick Cheney, o Secretário da Defesa Donald Rumsfeld e a Secretária Nacional de Segurança Condoleeza Rice. Do outro lado, quase sozinho como moderado, está apenas Colin Powell.
Porque é que eu chamo àquele grupo de pessoas «políticos de extrema-direita»? Por várias razões.
Primeira razão: são nacionalistas exacerbados, que advogam não dever o seu país respeitar o Direito Internacional, do qual só extraem direitos para os EUA e deveres para o resto do mundo. O mesmo pensavam e faziam o fascismo italiano e o nazismo alemão, na primeira metade do século XX.
Segunda razão: acreditam sinceramente que a missão histórica do seu país, no século XXI, é controlar e dominar o mundo, espalhando e impondo por toda a parte o american way of life. O mesmo pensava e tentou Hitler, embora por razões racistas, com a sua Deutschland über alles!
Terceira razão: desprezam em absoluto a ONU, que não consideram uma organização supranacional destinada a (tentar) garantir a paz e a segurança internacionais, mas uma estrutura que só interessa, e só deve ser apoiada e financiada, na medida em que funcionar como um instrumento ao serviço dos objectivos da política externa americana. Desenvolvem uma campanha muito ampla, generosamente financiada, para denegrir a imagem da ONU perante a opinião pública, ameaçando abandonar a Organização se esta continuar a aprovar resoluções contrárias aos EUA. O mesmo pensava e dizia o Doutor Salazar, que nunca reconheceu à ONU o direito de se pronunciar sobre a descolonização do Ultramar português, e desencadeou uma campanha de opinião sem precedentes para tentar denegrir e desacreditar a ONU, ameaçando mesmo que Portugal estaria «entre os primeiros países a abandoná-la».
Quarta razão: levaram os EUA a retirar-se da lista dos Estados que aceitam a jurisdição do Tribunal Internacional da Haia, com o argumento de que a América nunca deverá aceitar nenhuma decisão de qualquer organismo que condene, reprove ou obrigue os EUA a fazer ou não fazer o que o Executivo ou o Legislativo americanos não acharem bem. Assim pensaram e pensam, assim agiram e agem, todos os ditadores e extremistas que colocam a soberania nacional acima do Direito Internacional.
Quinta razão: recusam dar aos talibãs e guerreiros da Al-Qaeda o estatuto de «prisioneiros de guerra», que as Convenções de Genebra lhes garantem, com o argumento de que esses perigosos terroristas não são seres humanos, mas autênticos animais. O mesmo pensava Hitler dos judeus, dos ciganos, dos polacos, dos homossexuais e dos deficientes mentais ou físicos que mandou matar nas câmaras de gás.
Sexta razão: aconselharam o Presidente Bush a criar, por decreto do Poder Executivo (e não por lei do Congresso), tribunais especiais criados de propósito, após o 11 de Setembro, para julgar (e condenar) os indivíduos, americanos ou estrangeiros, acusados de serem terroristas, suspeitos da prática de actos de terrorismo, ou meramente auxiliares, directos ou indirectos, de qualquer acusado de ser terrorista. Assim pensava e agiu o Doutor Salazar, criando os tristemente célebres «tribunais plenários» para julgar (e condenar) os portugueses acusados ou suspeitos de serem comunistas ou de lhes darem apoio ou abrigo.
Sétima razão: apesar de a Constituição americana (a mais antiga do mundo, já com 225 anos de vida) estabelecer, de forma clara e firme, o princípio da separação entre as igrejas e o Estado, fazendo deste um Estado laico, eles pretendem voltar a impor que em todas as salas de aula das escolas oficiais haja na parede um crucifixo e seja rezada uma oração de inspiração cristã. O mesmo pensava o Generalíssimo Franco, em Espanha, reeditando com dois séculos de atraso a antiga aliança pré-liberal entre «o trono e o altar».
Oitava razão: contra o disposto na Constituição americana, que garante como nenhuma outra, em termos praticamente ilimitados, a liberdade de expressão (free speech), levaram o Presidente Bush a pressionar – sabe-se lá por que meios – a imprensa de referência e os principais canais de televisão a não publicarem mensagens de Bin Laden, ou outros suspeitos de ligação a organizações terroristas, e a aceitar a censura prévia dessas mensagens por razões de segurança nacional. Assim pensavam e fizeram todos os ditadores nacionalistas europeus quando os seus países entravam em guerra, ou faziam campanhas de histeria colectiva contra um invisível «inimigo externo».
Nona razão: conduzem e orientam sempre a política orçamental do seu país no sen-tido de aliviar a pressão fiscal sobre os ricos, porque produzem riqueza e criam postos de trabalho, diminuindo significativamente as despesas sociais do Estado benéficas para os pobres, porque Cristo terá dito que «pobres sempre os tereis convosco» e porque as estatísticas demonstram, segundo eles, que todos os auxílios, ajudas, subsídios e pensões pagos aos pobres são gastos inúteis, uma vez que os utilizarão logo em álcool, tabaco, jogo ou drogas. Assim pensavam e fizeram todos os ditadores de extrema-direita que exerceram o poder, com particular destaque para Pinochet, aliás apoiado política e financeiramente pela referida ala mais radical do Partido Republicano.
Décima razão: porque estes homens e mulheres, em pleno século XXI, se consideram – e orgulhosamente o proclamam – com os herdeiros directos da melhor tradição «conservadora» americana, que não via mal nenhum na escravatura, que foi contra a sua abolição, que fez uma guerra civil em nome do direito à manutenção da escravatura nos Estados do Sul, que prolongou o seu racismo congénito em mil e um esquemas mais ou menos «legais» de segregação racial, que combateu Martin Luther King e os seus esforços não-violentos de consecução da igualdade racial, que esteve por trás da acção violenta e racista do Ku-Klux-Klan, e que ainda hoje, nos círculos judiciais que influencia, absolve polícias brancos que matam indivíduos de raça negra, mas condena com penas severas os negros apanhados a roubar fruta ou peças de vestuário barato em minimercados populares.
Como democrata que sou, não posso deixar de reconhecer a quem pensa da maneira acima exposta o direito de pensar como pensa e de livremente exprimir as suas ideias. Mas penaliza-me verificar que, após dois séculos de tolerância e moderação, a política americana caiu nas mãos dessa facção e se orienta hoje pela intolerância e pelo radicalismo.
Como escreveu recentemente Emmanuel Todd, com grande lucidez, «os Estados Unidos, até há bem pouco tempo factor de ordem internacional, surgem, cada vez com maior nitidez, como um elemento de desordem. (…) Os Estados Unidos estão em vias de se tornar um problema para o mundo. Estávamos habituados a vê-los como uma solução» (in Após o Império, Lisboa, Edições 70, 2002, pp.9-11).
Não partilho da visão catastrófica deste autor, nem do seu (actual) antiamericanismo. Acho que os EUA se libertarão, mais depressa do que poderemos pensar, da influência governamental da sua «extrema-direita legal», tal como se libertaram do pesadelo do Vietname ou do Watergate. A juventude irreverente das universidades e a imprensa livre farão o seu trabalho – e melhores dias virão.
Mas lá que a conjuntura actual é particularmente perigosa, é. Conviria que os europeus relessem a História, recordassem os seus valores fundamentais, e fizessem da Europa unida um pólo de civilização exemplar, capaz de enfrentar e resistir aos riscos do radicalismo que hoje domina a política externa e de segurança nacional norte-americana.
[…]
Novembro de 2002
Diogo Freitas do Amaral”
Acho que a inteligencia e lucidez do seu autor fica bem patente na absoluta actualidade deste texto.
Um grande abraço
Caro Pedro Magalhães,
O tipo de movimento de grassroots que Obama tem na rust belt e noutros estados são parte da força herdada da campanha com HRC, como sabe. Eu nunca simpatizei com a Senhora, e a leitura séria que tenho feito dos planos sectoriais dos candidatos leva-me a um pró Obama leaning effect de que já fui acusado de manifestar no meu blogue (hhtp://ovalordasideias.blogspot.com). O que me parece estranho quando o que faço é análise estatistica e demográfica de sondagens nacionais e estaduais (temos aqui uma diferença: o PM disse achar as estaduais relevantes há algum tempo, mas num sistema como o americano, winner takes all, eu prefiro ver o que se passa estado a estado – com a óbvia excepção das tracking polls da Gallup e da Rasmussen no seguimento de debates, por exemplo).
Em todo o caso, escrevia-lhe para lhe dizer que penso que há um factor que estaria em posição priveligiada para partilhar connosco. Columbus não é propriamente o Ohio. O mesmo se diga se outras cidades: Springfield, Cincinnati, Cleveland, etc. E o problema de Obama nas primárias com Clinton esteve nas zonas rurais do Ohio. Em particular na Appalachia, na fronteira com a West Virginia, ao longo do Ohio River. Os democratas precisam geralmente dessa zona para ganhar o Obama, mas o seu perfil casa pouco com a Appalachia. Se o Pedro me permite, como vê as hipóteses de Obama nessa zona?
Carlos Santos