
As bases sociais do novo sistema partidário português, 2022-2025
Posted May 23rd, 2025 at 8:42 amNo Comments Yet
João Cancela (FCSH-Nova) e Pedro C. Magalhães (ICS-ULisboa).
No intervalo de três anos e três meses, realizaram-se três eleições para a Assembleia da República. As preferências expressas pelos portugueses transformaram-se profundamente entre o primeiro e o mais recente destes atos eleitorais. Os votos recebidos pelo centro-direita oscilaram — pouco — entre os 29 e os 32%. Depois de uma ligeira subida em 2024, a soma de todos os outros partidos para além do PS e do Chega também pouco se alterou (21% em 2022 e 2025). Contudo, enquanto em janeiro de 2022 o PS obtinha cerca de 41% dos votos em território nacional contra 7% do Chega, na eleição do passado dia 18 receberam praticamente a mesma proporção dos votos.
Esta é porventura a mudança mais substantiva na história do sistema partidário português em democracia, e certamente motivará múltiplos debates e reflexões ao longo dos próximos anos. Com este texto, procuramos contribuir para uma descrição mais aprofundada desta transformação da paisagem política portuguesa. Para isso, e dando continuidade a trabalhos que publicámos anteriormente (2002-2019, 2022 e 2024), retratamos a evolução das bases sociais dos diferentes partidos, recorrendo aos dados dos inquéritos realizados à boca das urnas, no dia da respetiva eleição, em território continental português, pela empresa Pitagórica (2022, N= 39.109; 2024, N= 28.086; 2025, N= 24.782). As sondagens à boca das urnas da Pitagórica são um recurso precioso para a análise das eleições em Portugal. O facto de serem conduzidas através de tablets permite a disponibilidade rápida dos dados. E a concentração temporal dos atos eleitorais e a elevada dimensão das amostras permitem-nos identificar as camadas da população junto das quais os principais partidos do sistema português têm ganhado e perdido terreno. Assinalamos por isso aqui a nossa gratidão a Alexandre Picoto, Rita Marques da Silva, e à TVI/CNN Portugal pela disponibilização destes dados.
Demografia
Os gráficos seguintes mostram como evoluiu o apoio aos três principais partidos ao longo das três últimas eleições entre grupos definidos pelo género (Figura 2), a idade (Figura 3) e a escolaridade (Figura 4):
É desde logo evidente que, desde 2022, o PS perdeu apoio entre homens e mulheres, entre todos os escalões etários e entre todos os grupos de escolaridade. Mas desceu em especial em dois grupos onde era inicialmente mais forte, ou seja, onde tinha mais para perder: os eleitores com mais baixas qualificações (menos que secundário) e entre as mulheres. Por exemplo, a Figura 5 mostra como, em 2022, o PS tinha captado mais de 60% dos votos das mulheres com instrução inferior ao secundário. Chegado a 2025, perdeu metade desse apoio.
Apesar de ainda ser o partido mais escolhido pelos eleitores com qualificações inferiores ao secundário, o PS é já seguido de muito perto por AD e Chega, especialmente entre os homens. Entre os que completaram o secundário, o PS já foi ultrapassado por esses partidos. E entre os que completaram o ensino superior, o PS é esmagado pela AD. As perdas do PS por grupos etários foram mais homogéneas (Figura 3, painel central) mas, mais uma vez, especialmente grandes entre as mulheres de todas as idades (Figura 6). Entre os homens mais jovens, com idades entre os 18 e os 24 anos, o PS nem consegue ser o 3º partido, sendo ultrapassado pela IL, e entre as mulheres mais jovens luta pela terceira posição com o Livre.
A AD e os partidos que a compõem têm tido uma votação muito estável no Continente desde 2022, oscilando entre os 29 e os 32%. Mas há alguma recomposição sociodemográfica no eleitorado da coligação. Por um lado, entre 2022 e 2025, a AD tem sofrido perdas (homens) ou permaneceu estagnada (mulheres) em todos os escalões etários até aos 55 anos. Por outro lado, isso tem sido compensado com ganhos da AD entre os eleitores mais velhos e com menores níveis de instrução, onde já compete diretamente com o PS (Figuras 5 e 6).
O Chega cresceu em todos os grupos sociais de 2022 para 2025. Os crescimentos mais modestos, inferiores a 10 pontos percentuais, ocorreram entre os eleitores mais velhos (com 55 anos ou mais) e com instrução superior, os dois grupos sociodemográficos que continuam a oferecer mais resistência aos apelos do partido (Figuras 3 e 4, painel direito). Mas em todos os restantes, a progressão do Chega foi excecional. O Chega já era o partido mais votado em 2024 entre os homens com menos de 35 anos, e expandiu ainda mais o seu apelo junto do eleitorado masculino em 2025: é agora o partido mais votado entre os homens até aos 55 anos (Figura 6). E entre os homens com instrução não superior, o Chega passou também de 3º para 1º partido de 2022 para 2025 (Figura 5). O crescimento entre as mulheres é menos acentuado, mas mesmo assim notável, especialmente entre as que têm 25 e 34 anos: entre elas, em 2025, o Chega disputou com a AD a posição de partido mais votado (Figura 6).
Olhemos agora para os partidos mais pequenos. O apoio à Iniciativa Liberal mantém-se extremamente estável desde 2022. Permanece uma relação forte entre o sexo, a idade e a instrução, por um lado, e o voto IL, por outro, com os homens mais jovens e mais instruídos a dominarem o eleitorado do partido (Figuras 7, 8 e 9).

Figura 7. Género e voto, outros partidos, 2022-2025
Entre os homens com menos de 25 anos, a IL chega a ter mais votos que o PS (Figura 10). Mas há mudanças recentes relevantes. De 2024 para 2025, a IL perdeu apoio entre as mulheres mais jovens e com curso superior, passando a ter de competir diretamente com o Livre nestes segmentos, perdas compensadas pelo crescimento entre os homens de escalões etários intermédios, até aos 54 (Figuras 10 e 11).
O Livre tem crescido em todos os segmentos sociais, incluindo os mais velhos e os menos instruídos. Mas é nos segmentos opostos, os eleitores mais jovens e com curso superior, que mais cresceu, especialmente entre as mulheres. Entre as mais jovens, aproxima-se muito do PS (Figura 10), e entre as mulheres com curso superior esteve a par da IL (Figura 11).
O BE susteve o seu eleitorado de 2022 para 2024, mas caiu em 2025. Entre os homens, já tinha sofrido perdas de 22 para 24, que se prolongaram para 25. O que ainda sustentou o BE em 2024 foram as mulheres, que compensaram essas perdas. Em 2025, tudo colapsou, especialmente entre as mulheres com curso superior, onde o Bloco ficou reduzido a menos de metade do apoio que tinha anteriormente (Figura 11).
A CDU desceu de forma generalizada entre 2022 e 2024, mas estancou a quebra em 2025, mantendo uma base de apoio estável, ainda que em níveis historicamente baixos. Com uma votação que ronda agora os 3% no conjunto da população, apresenta ligeiras variações por segmento sociodemográfico. A coligação preserva uma réstia de enraizamento entre os eleitores mais velhos e com menores qualificações, mas continua a perder capacidade de atração nas faixas mais jovens. Ainda assim, há inversões pontuais a assinalar: em 2025, a CDU igualou o BE entre os homens mais jovens e com ensino superior – o que, tendo em conta a trajetória recente dos dois partidos, não deixa de ser significativo.
O PAN manteve uma expressão eleitoral reduzida e estável entre 2022 e 2025, sem sinais de crescimento. O seu principal núcleo de apoio continua a ser o das mulheres entre os 25 e os 34 anos, único grupo onde o partido atinge níveis de votação mais relevantes e que tem sustentado a sua representação.
Geografia
As primeiras análises dos resultados têm sublinhado a dimensão geográfica da votação, uma vez que o Chega ultrapassou o PS como partido mais votado em vários municípios, sobretudo no Sul do país – tanto em distritos rurais como na periferia de Lisboa. Para compreender melhor esta transformação, analisamos a evolução dos resultados ao nível das freguesias, procurando responder a uma pergunta que se tem tornado mais premente – como varia o comportamento em função da geografia?
Combinámos duas variáveis para caracterizar o território: o tipo de freguesia (rural ou não rural — urbanas e suburbanas), com base na classificação do Programa de Desenvolvimento Rural 2014–2020); e a divisão Norte/Sul – uma clivagem clássica da geografia eleitoral (e não só) portuguesa. Esta divisão dicotómica foi operacionalizada por distritos: Évora, Faro, Beja, Santarém, Setúbal, Lisboa e Portalegre constituem o Sul; Aveiro, Braga, Bragança, Castelo Branco, Coimbra, Guarda, Leiria, Porto, Viana do Castelo, Vila Real e Viseu, o Norte (designando aqui, obviamente, o “Norte do Tejo”). Da sua combinação resulta uma matriz com quatro tipos de freguesias: rurais a Norte do Tejo, rurais a Sul, não rurais a Norte do Tejo e não rurais do Sul.
Em 2022, o PS era dominante nos quatro quadrantes, até a Norte do Tejo, com percentagens de voto próximas dos 40% e uma vantagem confortável face aos resultados obtidos por AD e, especialmente, pelo Chega. Entre 2022 e 2025, a queda do PS foi transversal a todas estas geografias, mas os beneficiários dessa queda variaram: a AD subiu em todas as áreas, mas os seus ganhos foram relativamente modestos e, no caso das freguesias não rurais do Sul, bastante limitados. Já o Chega teve uma ascensão muito mais expressiva, com destaque claro para as freguesias rurais do Sul – que no seu conjunto foram onde o PS teve melhores resultados em 2022 – onde passou a disputar a liderança com a AD.
Cruzar esta variável geográfica com os atributos sociodemográficos (Figuras 12 e 13) permite corroborar que a acentuada descida do PS, a modesta subida da AD e a expressiva ascensão do Chega são fenómenos transversais ao território nacional e às diferentes camadas sociais. Isso torna-se evidente quando se observa o comportamento eleitoral dos diferentes escalões etários nas várias regiões do país. A magnitude da quebra do PS em cada grupo etário é praticamente constante em todas as regiões. Tirando os eleitores mais velhos das zonas rurais, onde cresce de forma mais expressiva, a AD sobe pouco. Já o Chega regista um crescimento fulgurante em todo o país e em todos os grupos etários, ainda que essa subida seja ligeiramente mais contido entre a população mais idosa, como já tínhamos visto.
Conclusões semelhantes podem ser retiradas do cruzamento entre a variável escolaridade e a geografia. É certo que existem algumas diferenças a considerar, desde logo a maior popularidade, entre os eleitores urbanos e com ensino superior, de partidos que não os três maiores, em particular a IL e o Livre (Figura 14).
Ainda assim, apesar de por vezes se enfatizarem as diferenças Norte/Sul com base nos partidos mais votados em cada distrito, as dinâmicas gerais observadas na ascensão e queda das principais forças partidárias têm uma escala nacional e não resultam de uma pulverização de paisagens políticas ao nível subnacional: o sistema partidário português está em profunda transformação, mas tal não implicou uma maior heterogeneidade do ponto de vista geográfico do que em anos recentes.
Metodologia
A partir das respostas às três sondagens (2022, 2024, 2025) foram estimados modelos de regressão logística multinomial, ponderados por pesos amostrais, com o objetivo de obter estimativas das probabilidades previstas de voto (variável dependente) em função de variáveis independentes, tanto sociodemográficas como geográficas, isoladamente e em interação (por exemplo, género × idade ou escolaridade × geografia). Os pesos corrigem o desvio entre a proporção de votantes de cada partido observada na amostra e os resultados reais da eleição em Portugal Continental, assegurando assim uma maior representatividade dos resultados. Os intervalos de confiança a 95% das probabilidades usam a variância robusta dos coeficientes estimados para calcular a incerteza associada às funções não-lineares derivadas dos modelos.
Leave a Comment
You must be logged in to post a comment.