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Pedro Magalhães

A responsabilidade do governo perante o Presidente (3)

Julgo que o escrevi até agora sobre o tema tem algumas hipóteses de ser relativamente consensual, porque predominantemente factual. O que se segue será, certamente, menos. Cada um terá as suas ideias sobre o que constitui um funcionamento desejável das instituições políticas. E algumas das alegadas consequências de diferentes arranjos institucionais não se encontram provadas para além de qualquer dúvida. Mas o que acho é o que se segue:

1. Um dos principais problemas em conceder ao Presidente a capacidade de demitir livremente um governo é o de criar confusão sobre a atribuição do poder executivo. Se um Presidente demite um governo e promove uma solução alternativa – empossando um novo PM e um novo governo que sabem que poderão ser demitidos a qualquer momento – instala-se a pergunta óbvia. Quem manda? O novo PM ou, na verdade, o PR? E se entrarem em conflito, como se resolve? Nova demissão e novo PM? E quando é que isto acaba? Na dissolução, o end game é simples: os eleitores falam. Na demissão, o que se gera é ambiguidade sobre quem governa e um potencial de conflito que, como sugerem muitos exemplos, acaba muitas vezes em crises constitucionais, onde governos e presidentes recusam reconhecer a legitimidade de uns e outros.

2. Poder-se-ia dizer que, quando existe uma relação de responsabilidade política do PM em relação ao PR, a possibilidade de conflito será baixa. Mas os exemplos mostram, mais uma vez, que não é assim. Nos sistemas president-parliamentary, a enorme importância e poder do presidente, concedidos por este poder de demissão do governo, tornam o cargo especialmente apetecível para…um Primeiro Ministro em funções. Em países como a Ucrânia ou a Arménia, o cargo de PM foi muitas vezes  ser visto como um mero passo em direcção àquele onde poderá estar o verdadeiro poder de governar, a Presidência. O resultado? Mesmo entre Presidentes e PM’s da mesma família política, a instalação de um conflito foi apenas uma questão de tempo. Oleh Protsyk explica isso muito bem numa série de artigos sobre o semipresidencialismo na Europa de Leste. Ver este, por exemplo.

3. Mesmo que não haja conflitos constitucionais graves, a confusão sobre onde está localizado o poder executivo é perniciosa do ponto de vista da responsabilização eleitoral. O nosso sistema já tem perversidades suficientes deste ponto de vista, permitindo a governos que – subtilmente ou não – coloquem as culpas dos seus fracassos na actuação dos presidentes. Mais ambiguidades sobre “quem manda” só pioram a situação. Quem governa mesmo? Quem deve ser punido ou recompensado pelo quê? Em situações de conflito, quem é o líder da oposição: o líder do maior partido da oposição parlamentar ou o Presidente? Estas confusões são más para a qualidade da responsabilização política, pelas oportunidades de blame-shifting que abrem.

 4. Um ponto adicional, relacionado com o anterior mas mais subtil – não é meu, deve ser por isso – que Joaquim Aguiar explicou muito bem neste livro. Um Presidente que pode demitir um governo tem, no sentido que temos vindo a analisar, mais poder. Mas noutro sentido tem menos. A citação é longa mas acho que vale a pena:

“Ao fazer desaparecer o poder constitucional que atribuía ao Presidente a obrigação (um poder-dever) de avaliar a sua confiança em relação ao primeiro-ministro, a revisão constitucional de 1982 libertou o Presidente da República para exercer sem restrições a sua função superior de regulador em última instância do poder político. Continuando a ser eleito por sufrágio directo, o que lhe assegura uma legitimidade própria, continuando a ter o poder de dissolução do Parlamento, o que lhe assegura a capacidade para determinar a periodização da agenda política, o Presidente da República ficou com a possibilidade de estabelecer uma diarquia estratégica efectiva, passou a dispor de um poder realmente separado, deixou de estar comprometido pelo apoio ao primeiro-ministro – e é isso que lhe oferece a potência superior da regulação em última instância. (…) O Presidente da República pode exercer esse poder de regulação ou não, mas qualquer que seja a sua escolha, essa é uma opção livre, não está condicionada pelo constrangimento da anterior relação de confiança que tinha de estabelecer com o primeiro-ministro. Por sua vez, o primeiro-ministro deixou de poder invocar, em sua defesa, a confiança do Presidente da República, o que lhe permitia apropriar a legitimidade presidencial para justificar as suas opções no exercício do poder executivo” (p. 170).

Dito de outra forma, um Presidente que pode efectivar a responsabilização política do governo transforma-se num líder de facção: da facção dos partidos da oposição ou da facção do partido do governo. Um líder de facção não tem legitimidade para regular seja o que for. É um actor político como os outros. Isto parte do princípio que, se queremos um presidente eleito em Belém, preferimos que esse presidente seja um “regulador”. Eu prefiro, mas admito que haja outras preferências.

5. Finalmente, em sistemas onde o PR pode demitir o PM, os segundos não são escolhidos da mesma forma do que nos sistemas onde isso é impossível. Quando ao PR cabe apenas escolher o PM mas não o pode demitir, cabendo esse poder exclusivamente ao parlamento, é natural que a escolha reflicta mais as preferências do parlamento eleito. Quando pode nomear e demitir, o PR tem mais condições para se afastar das preferências do parlamento. Discutido, explicado e provado aqui.

Imagino que haja outros argumentos contra a ideia proposta pelo PSD, mas estes são os que mais me interessam. Imagino também que haja argumentos contra os meus, e gostava de os conhecer. O que certamente não serve é a argumentação de Pedro Passos Coelho ou Paulo Teixeira Pinto. Inicialmente, veio a ideia de que, se se pode dissolver livremente a Assembleia, então o “equilíbrio” exige que se possa também demitir livremente o governo (ver aqui e aqui), como se estivéssemos a falar de engenharia hidráulica. Espero que tenha ficado óbvio que os dois poderes não são equivalentes, e que não há razão nenhuma para que estejam “equilibrados”. E agora, para maior espanto, transparece numa notícia do jornal i que a ideia é “a Assembleia só pode ser dissolvida se estiver ’em causa o regular funcionamento das instituições’. Eu espero que isto não seja verdade. Primeiro, lá se vai a metáfora do equilíbrio. Segundo, limita-se o “bom” poder presidencial (aquele em que ele está politicamente constrangido pelas preferências dos eleitores) e amplia-se o “mau” (aquele em que não está). Que grande confusão. E tão desnecessário, tudo isto.

One Commment

  1. Jovens janízaros

    Os jovens janízaros que tomaram conta do PSD estão prestes a alterar a matriz social-democrata do partido e a criar uma formação que nada tem a ver com a origem. Pois bem, para além da confusão que se está a instalar nas bases do partido, constituído basicamente por pessoas que ao longo dos anos se habituou a ver o partido lutar pela melhoria das suas condições de vida, nomeadamente na saúde, na escola e nas reformas, vê agora o partido a ser elogiado pelos patrões,
    que vêem no horizonte a possibilidade de despedir sem limite nem escrúpulo.
    Não sei como se pode ser tão politicamente néscio em tão pouco tempo !

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