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Pedro Magalhães

De um e-mail

Há cerca de 15 anos tive como actividade profissional os estudos de mercado. Posso dizer com propriedade que conheci bastante bem a realidade do meio na componente da recolha de dados, em algumas das mais relevantes empresas da época. Fiz muitas entrevistas, muito trabalho de supervisão, algum de codificação e, acima de tudo, de coordenação do trabalho de campo, num período de cerca de 3 anos.

À época era para mim um mistério o simples facto de as sondagens políticas terem o mínimo de aderência à realidade. Posso afirmar, sem rodeios, que a maior parte do trabalho de campo não era, pura e simplesmente, credível. Divulgavam-se taxas de supervisão falsas ou empoladas e muitas vezes a própria supervisão era, também ela, fraudulenta. Esta foi a realidade que conheci. O valor comercial dos estudos apenas permitia suportar um trabalho de campo feito por pessoas não profissionais, e qualquer tentativa de elevar a fasquia da qualidade, por exemplo apostando numa supervisão efectiva e com consequências, traduzia-se na inviabilidade económica do trabalho. Esta realidade pode ter mudado, hoje em dia já não estou em contacto com esse meio, por isso as minhas reflexões devem ser entendidas à luz de uma experiência datada.
(…)
Quando se questiona um eleitor sobre o quais as suas expectativas em relação ao resultado de uma votação em que ele também participará, obtêm-se números que, não podendo ser usados como indicadores de voto, correspondem no entanto à percepção comum sobre o sentido de voto, e portanto é natural que não se afastem muito do voto real. As pessoas que respondem estão inseridas num contexto em que comunicam entre si e a comunicação social traduz e amplifica tendências. É com esta perspectiva que respondo à minha própria pergunta de há 15 anos: o universo dos entrevistadores é ele próprio uma amostra (involuntária e sem qualquer critério claro…) do universo em estudo. Se, por absurdo, todos os questionários de uma determinada sondagem fossem respondidos integralmente pelos entrevistadores, obteríamos mesmo assim resultados com alguma correspondência com a realidade. Algures entre este cenário absurdo e a utopia de um trabalho de campo impoluto está a realidade e portanto, hoje, não me surpreende rigorosamente nada o nível de adesão à realidade de alguns estudos com problemas gravíssimos na recolha de dados.
(…)
Ontem a quente, e hoje confirmado nos quadros resumo que publica, parece tudo ser ao contrário… De facto, à excepção da sondagem da Católica no Porto, das 15 pré-eleitorais analisadas nos seus quadros as telefónicas, pelo método 5, apresentam menores desvios face ao voto real. Com menor expressão, mas no mesmo sentido análise pelo método 3. Ora o que me ocorreu, ainda antes destes números, é que talvez possam existir de facto desvantagens nas telefónicas, e isso pode influenciar os resultados, mas será que as questões (e lembro-me da realidade negra que conheci…) de controle sobre o trabalho de campo, muito mais relevantes nas presenciais, não terão um efeito ainda mais nocivo.


Pois é. Só não sei se concordo com a ideia de que, em situações limite de “fraude” (que, garanto, tem sido raríssimas nos trabalhos em que me tenho envolvido, mas nunca se sabe…), os resultados das sondagens acabem por reflectir a realidade devido ao facto de reflectirem as preferências dos inquiridores ou a sua percepção da relação de forças no universo. Por um lado – e isso joga especialmente nas autárquicas – os inquiridores são frequentemente deslocados para contextos com os quais não têm mínima familiaridade política. Por outro lado, pressupô-los atentos ao que se vai passando nos variados contextos locais onde se deslocam é pressupor demais sobre o seu grau de atenção política.

Mas concordo com tudo o resto, especialmente no que respeita à potencial má qualidade no trabalho de campo. E isso é mais importante neste tipo de sondagens pré-eleitorais onde, ao contrário de outros trabalhos, a verificação e o controlo são inevitavelmente menos rigorosos, por força da urgência em pôr resultados cá fora. Sobre a sondagem à boca das urnas, para além das inestimáveis vantagens dos grandes números e de se medirem comportamentos declarados de votantes (em vez de intenções declaradas de eleitores), o leitor tem razão: o controlo é, de facto, muito mais apertado, até pelas circunstâncias concretas em que o trabalho tem lugar (contacto quase permanente com a coordenação central, localização estável ao longo do dia, etc.).

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