Religiosidade e voto
Posted February 21st, 2007 at 3:27 pmNo Comments Yet
Sei, por experiência própria, que pôr académicos a falar com jornalistas é coisa que, por vezes, dá mau resultado. Nuns casos porque os primeiros procuram preservar a complexidade dos seus argumentos de uma forma que os jornalistas não conseguem (ou não podem mesmo) reconstituir nas suas peças. Noutros porque, antecipando esse desfecho, são os próprios académicos que simplificam os seus argumentos de forma a que, no final, o que é dito já não faz justiça àquilo que sabem e acaba depois numa versão “abastardada” que, de resto, é consumida acriticamente como sendo a “voz da verdade”. Nada disto é fácil.
Mas às vezes os jornalistas não ajudam. Começo por dizer que gosto bastante do António Marujo como jornalista, mas como é possível fazer um título destes – “O voto católico não existiu no referendo sobre o aborto” – na edição do Público do dia 18? Uma coisa é dizer que o comportamento de voto no passado referendo não teve como causa única a religiosidade subjectiva dos inquiridos ou a sua prática religiosa, ou, por outras palavras, que “‘é redutor’ ler uma coincidência entre o catolicismo e a vitória do ‘não’ a norte do Mondego” (que é aquilo que Helena Vilaça, afinal, diz, antes de ser perder um pouco com alguns casos isolados que não aquecem nem arrefecem). Como alguém já escreveu, “o mundo é multivariado”, e os comportamentos humanos não fogem à regra.
Mas dizer que não existiu “um voto católico” no referendo é esticar a corda para além daquilo que a corda aguenta. Qual é a hipótese que se está a tentar refutar com o título da peça? A de que todos os católicos teriam votado “Não” no referendo? A de que o único factor que explicou o voto foi a religião? Mas pela cabeça de quem passariam ideias dessas?
Na verdade, a religiosidade ou a prática religiosa são ainda, entre as variáveis estruturais ou socio-demográficas, e num país onde a ancoragem social do voto é muito ténue, dos poucos preditores do voto que nos ajudam a distinguir os eleitores entre si em eleições legislativas (em particular os do PCP e do BE dos do PS e os do PP dos do PSD). E como já referi aqui, nas sondagens sobre intenções de voto, a religiosidade era um dos principais preditores do voto “Não”. E como não? E que mal tem assumi-lo? Porquê procurar contornar o incontornável? Não percebi.
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